terça-feira, 30 de agosto de 2011

A moça, as sementes e o jardineiro

Uma moça, muito alegre e, ao mesmo tempo, séria (séria, pois levava a vida a serio), resolveu tentar fazer germinar algumas sementes. Não sabia o que nasceria das sementes, se seriam flores e frutos ou somente flores, mesmo assim estava certa que as flores iriam enfeitar sua vida, mais que isso, acreditava que as flores poderiam mudar o mundo. O interessante da história é que a moça herdou as sementes de sua mãe. As sementes estavam com ela desde o seu nascimento. A moça guardava as sementes com muito carinho. Mas é claro que com o caminhar da vida, acabava perdendo uma sementinha aqui, outra acolá... diziam para ela que a validade das sementes era muito longa, por isso, a moça foi fazer varias coisas, menos cultivar as sementes. Ela foi viajar o mundo em um balão colorido; ela foi ler todos os romances clássicos de Goethe, Saramago, Machado de Assis, Guimarães Rosa e alguns cordéis de Patativa do Assaré, sem contar com os poemas de Pablo Neruda. A moça quis conhecer pessoas no Nepal e caminhar pelas estradas da Iugoslava. Também quis sentir a brisa em Machu Pichu e o sol do Piauí. Andou de bicicleta em Amsterdam. A moça carregou bandeiras em passeatas e ajudou cuidar das pessoas que passam fome na Etiópia. A moça foi andando por aí. Vendia bolos saborosos e tortas recheadas para manter os gastos de suas andanças. As vezes fazia alguns colares com as sementes que herdou... tinha muitas sementes e elas eram lindas. De tão lindas, fazia colares para enfeitar ela mesma também. E assim foi seguindo sua vida admirável, sua admirável vida. Estava livre, sentia saudades dos seus, que ficaram em sua terra, mas continuava andando, com sua mochila pesada (as vezes achava que deveria exercitar o desprendimento, só para mochila ficar mais leve)... Na mochila havia lenços coloridos, sandálias, saias, calças largas, protetor solar, um tênis batido e, é claro que em um saquinho no bolsinho do canto, estavam guardadas as sementes. Um dia a moça leu em uma matéria de jornal de domingo que as sementes tinham validade sim, e se não platadas a tempo, poderiam morrer, não germinar ou não dar flores. Então a moça pensou: está na hora de plantar minhas sementes, depois de tudo que vi e vivi, acredito que meu jardim poderá colaborar para com a mudança do mundo. Mas a moça ainda não havia encontrado sua paragem. Estava zanzando por aí. E as sementes continuaram num saquinho... As vezes ela as perdia, as vezes enfeitava os colorares que vendia ou que lhes enfeitava. Além da falta do lugar, a moça sentia falta de um jardineiro bom, que lhe desse as coordenadas. Mas um dia a moça olhou e viu que a quantidade de sementes estava bem reduzida e algumas já não estavam com o aspecto tão vital. Viu que suas sementes não durariam para sempre.... Ficou preocupada, pois havia herdado as sementes de sua mãe e não poderia deixar que as sementes morressem com ela. Então resolveu pegar um balão colorido no sentido inverso do que voava até aquele momento. Voltou para sua terra. Voltou para seu chão. Sentia-se livre... Tudo que havia vivido foi elemento para que se sentisse livre, pronta para construir seu jardim, plantar suas sementes e esperar para ver como as flores iriam desabrochar. Mas ainda lhe faltava a técnica, a experiência de um bom jardineiro. Alguém que adubasse com ela a terra fofa. Alguém que regasse com ela as plantinhas, desde da hora que fossem um pontinho verde na terra. Ela desanimou um pouco. Encontrar um jardineiro de confiança não erá fácil. Achou que nunca iria encontrar o jardineiro que pudesse ajuda-la... Pensou que as sementes, junto dela morreriam. Até que um dia, caminhando por uma avenida longa e movimentada, cheia de carros e buzinas em alto tom, ela viu um homem vendendo flores na esquina. A imagem lhe seduziu, pois pensou: se ele vende flores nesta avenida movimentada e estressante pode ser que possa me ajudar... Aproximou-se do quiosque do homem. Ao chegar lá, sentiu cheiro de flores. Ao chegar mais perto, sentiu aromas que ainda não havia experimentado. Sentiu um bambear nas pernas. Sentiu uma vontade de voar. Sentiu uma vontade de parar alí, de viver para sempre... E, sentiu a confiança que buscava... Sentiu que o homem poderia ajuda-la a germinar as suas sementes.... Então ela perguntou: você sabe germinar sementes? Ele disse: sim, acho que as minhas plantações tem estado bem, mas minha especialidade é orquídea. Orquídeas de todos os tipos e cores. Já cuidei de muitas orquídeas lindas... Ela disse – eu não sei se o que tenho são sementes de orquídeas, mas as tenho desde que nasci, por isso procuro alguém que me ajude germiná-las e retirou as sementes do bolsinho do lado da mochila e as mostrou. Ele respondeu – que bom, não importa que planta seja, mas mesmo assim posso te ajudar. Então ela marcou um horário com ele em sua casa, combinou tudo. Na casinha com quintal que havia escolhido para se estabelecer, para plantar finalmente seu jardim. Ele foi, levou de presente para ela uma orquídea rara e lhe disse: essa é a sua orquídea e além das suas sementes, te ajudarei a cuidar da sua orquídea, pois adoro o aroma das orquídeas, adoro tocá-las e cuidá-las com carinho. Ele lhe deu todas as dicas para manter a orquídea vistosa e as sementes vivas. Ele continuou indo, ensinando, cuidando. As vezes ele aparecia com alguns espinhos presos em sua roupa, esses espinhos chegaram a machucar a moça, mas logo ele os tirava de seu macacão de jardineiro, outras vezes ela que os tirava. A moça também passou a cuidar dele, além de retirar os espinhos de sua roupa, fazia-lhe coisas que ele gostava e o animava a prosseguir em seus planos. Por outro lado, a moça também tinha seus grilos, havia visto e vivido tanta coisa e nem foi bom, então a moça tinha medo do jardineiro abandoná-la e ele foi lhe dando segurança dia a dia. No final das contas, ele cuidava da moça, a moça cuidava dele e ambos foram plantar as sementes. Ele a ajudou preparar a terra. Ensinou-a adubar. Ajudou-a colocar as sementes. Foi regando junto com ela. Até que um dia, depois de uma chuva prazerosa, que molhou todo o jardim, as sementes germinaram e brotaram algumas mudinhas. Os dois ficaram imensamente felizes com o feito e cuidaram com todo cuidado. Até que as plantinhas começaram a crescer. E a expectativa da moça e do jardineiro era de saber o que viria dali: será que virá uma árvore frutífera? Será que virá uma flor cheirosa? Será que virá um arbusto? E a moça viu que valia a pena ter guardado suas sementes e, principalmente, ter batalhado para germiná-las. E quando a planta enfim tomou forma, viram que era um pezinho de amora. Que, com muito amor, daria muitas amoras. A moça viu, enfim, que o seu jardim repleto de amoras, se não mudasse o mundo, mudaria a vida dela, mudaria a vida dele. As amoras exigiriam todo cuidado. As amoras cresceriam e mudariam o mudo sim,
pois se mudariam o mundo deles, que já não conseguiam se separar, estavam mudando o mundo. O jardim ficou lindo e florido, pois o jardineiro plantou outras flores e frutas, e a moça cuidou com carinho de todas as flores, plantas, arbustos e da sua orquídea, que continuou impecável, viva, cheirosa, agradando o jardineiro. No mais, as amoras eram amorosas. As amoras tinha aroma suave. As amoras eram felizes. As amoras eram amadas. As amoras pintavam roupas e bocas. As amoras trouxeram bênçãos para a moça e para o jardineiro. Que bom que ela guardou as suas sementes! Que bom que ele adubou as sementes!



sábado, 27 de agosto de 2011

putz...

putz.. agora que vi que a ultima babozeira que escrevei aqui foi em abril...
há tempos quero escrever, mas são tantas as (des)culpas ou mesmo justificativas, que não vale a pena aparecer aqui... acho que voltarei ao exercício de colocar na tela minhas piras...

pintei minhas unhas de vermelho

Quinta-feira eu pintei minhas unhas de vermelho, mesmo assim continuei angustiada... triste... com um buraco no peito. As vezes penso que eu não tenho mais jeito, que sou louca e ponto final. Outras vezes penso que são só momentos. Momentos de loucura, de angustia, de felicidade, de insatisfação. Não sei qual das duas opções é a mais real, ou se as duas são reais, mas sei que em minha cabeça há um turbilhão de coisas. A tristeza em meio de tantos motivos para só ter alegria. Pareço criança chorona. Acho que um dia essa intensidade me levará para o buraco. Literalmente para o buraco. Tenho medo. Tenho medo da minha intensidade e de tudo que passa por minha cabeça. Tenho medo, pois mesmo nos momentos de angustia, estou certa que só tenho o que comemorar. Tenho saúde, realização profissional, família, amigos e amor... Esta sanidade em meio da loucura é o que mais enlouquece. Pintei minhas unhas de vermelho, mas isso não é novidade, pois sempre pinto as unhas de vermelho.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

tempo de plantar

Mesmo com tanta coisa acontecendo, não tive, não tenho, tempo para escrever aqui no blog. Na verdade, hoje até que gostaria de escrever algo de verdade... mas estou cansadérrima, pois finalizei o texto da qualificação do doutorado. Na verdade, não quero pensar... Mas quero marcar que o ponto final do material que totalizaou 214 páginas, foi colocado hoje, dia 11/04/2011, (parecia um buraco sem fundo, acho que a tese ficará enorme)... Foi prazeroso escrever, principalmente, retomar minha história ao escrever a trajetória pessoal. Tentei imprimir em casa, mas sai caro... Então, fui imprimir em uma loja de xerox... gastei "os tubos", como diz minha amiga Cacau, mas sinto que é tempo de plantar. Um dia, quem sabe, irei colher.

- quero escrever sobre a chacina na escola... vamos ver se consigo logo. Mas amanhã irei para universidade, entregar o material, depois vou para sampa curtir a virada com meu amor! amém!

quinta-feira, 24 de março de 2011

...a inocência é a melhor coisa que existe!



... cada sorriso, cada momento...




Saudade...

terça-feira, 15 de março de 2011

Japão já recebeu a cor da rosa, Japão hoje recebe a cor do medo...

Como ver essas notícias sobre a catastrofe no Japão e não pensar nos rumos da humanidade? Como ver essas notícias e não lembrar do Ney Matogrosso cantando com toda força?
Japão já recebeu a cor da rosa, Japão hoje recebe a cor do medo...




Rosa de Hiroshima
(1973)
Composição: Vinícius de Moraes e Gerson Conrad
Interpretação: Secos e Molhados


Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas

Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária

A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica

Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada




Música do LP "Secos e Molhados" de 1973. Música de imensa sensibilidade, onde a letra nos faz lembrar das atrocidades causadas pela bomba atômica lançada sobre Hiroshima, durante a segunda guerra mundial. "Secos e Molhados", grupo formado no início dos anos 70, por Ney Matogrosso, cantor, Gerson Conrad, cantor e compositor e João Ricardo Carneiro Teixeira Pinto, cantor e compositor. Tiveram muito sucesso pela ousadia e novidades introduzidas no visual, além de bons cantores e compositores. Seu primeiro LP foi "Secos e Molhados" de 1973. O conjunto desfez-se em 1974, passando cada um de seus integrantes a atuar em carreira solo.[...]

Dárcio Fragoso

Música: Rosa de Hiroshima
Autoria: Vinícius de Moraes e Gerson Conrad
Interpretação: Secos e Molhados

Pesquisas e História por Dárcio Fragoso

fonte: http://www.paixaoeromance.com/70decada/rosa_iroshima/h_rosa_de_hiroshima.htm

domingo, 13 de março de 2011

o dia iniciou lindo!

O dia iniciou lindo! Um dia que representa o início da despedida do verão. O sol esta amarelo, o vento aconchegante. Tudo na medida. Acordei, um pouco mais tarde que nos outros dias, meio estranha, meio inteira, meio eu. Somente eu. Aliás, somente eu e meus pensamentos. Resolvi não fazer nada que exija esforço, que me canse, que me traga dor. Não fui correr, nem caminhar. Abri as janelas. O silencio que muitas vezes incomoda tanto, hoje é bem vindo. Pensei na importância de dar uma limpadinha na casa. Deixei o ar com cheirinho de café, depois de lustra móveis, agora de incenso, daqui a pouco de comida. Aromas que me agradam, que me trazem energias boas. Ouço uma musica relaxante da Snatan Kaur. Vou fazer uma comidinha boa só para mim. Eu mereço uma lasanha de berinjela. As fatias já estão cortadas envoltas no sal para darem uma desidratada. A louça de ontem está lavada. Tomei um banho gostoso, dei uma choradinha. Finalizei meu banho passando no corpo óleo de semente de uva com óleo essencial de alecrim. Enquanto escrevo este texto tomo um chá de hibisco, que adoro.
Hoje acordei sentindo que eu preciso lembrar de mim mesma, pensar na minha vida. Resgatar o que sou, considerando o que fui ontem, ano passado ou há 34 anos atrás. Sou história, vivo a história. Estou feliz, mas ando me sentindo meio perdida. Muitas coisas ao mesmo tempo. Vivo coisas boas, sonhos se realizando. Mesmo assim, é tudo muito intenso, as vezes pesado. Nunca pensei que um dia diria isso, mas a realização de sonhos não é tão tranquila como eu imaginava. Quando penso nas dificuldades que já passei, me sinto culpada por me sentir meio perdida. Mas a vida é assim e a felicidade é muito próxima e muito longe ao mesmo tempo. É um estado que buscamos constantemente. A satisfação, igual a felicidade também é um estado, que hoje tenho, amanhã já não sei. Tenho minhas inseguranças, mas olho para trás e me convenço do quanto já conquistei. Tenho saúde, família, amigos, amor. Acho que se eu morresse hoje morreria satisfeita, principalmente, por estar valorizando a mim mesma. Bom, não irei morrer hoje e tenho muito o que fazer. Tenho uma pesquisa para fazer. Tenho uma tese para escrever. Tenho livros para ler. Tenho lugares para conhecer. Tenho aventuras para viver. Tenho família para amar. Tenho amigos para valorizar. Tenho um amor para regar. Tenho a chama para (re)acender todos os dias. Tenho energia para transmitir. Tenho vida. Sou eu, estou viva!

Um poema que me tocou esta semana:

De forma
bem constante
já não julgo
importante ser feliz
a todo instante

Mas ainda mantenho
um desejo
ligeiro
de ser feliz
por inteiro

(Tereza Zambrini)

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Defesa do turismo sexual as 9h da manhã?

abaixo, segue texto que eu mandaria para a produção do Programa Mais Você da Rede globo, porém no local disponível para comunição só é permitido postar 90 caracteres... absurdo... como havia escrito, revolvi postar aqui.


Fiquei altamente revoltada com a letra da música que o jovem “Branquinho” (acho que é isso) acabou de cantar. Como pode, um jovem estrangeiro, que, aparentemente, só mora na favela por achar a pobreza “bonita”, reduzir o Brasil a cachaça e mulata? Dizer em meio das frases “hoje tive muito tesão”. Sim, o rapaz é muito simpático, mas não dá para aceitar o que ele cantou. Mulata, cachaça. Nas entrelinhas o que li: terra da liberação sexual, do alcoolismo, da diversão. Absurdamente, o que vi foi uma propaganda do turismo sexual. Fiquei perplexa. Já não basta o olhar que os homens do mundo todo têm para com as mulheres brasileiras. Onde chegamos eles dizem: sabe sambar? Para que reforçar isso? Sou mulher, jovem, brasileira e me senti muito ofendida com a música do rapaz. Muito mais ofendida com o fato de um programa que tem um grande publico feminino ressaltar o turismo sexual da forma que foi feito. O Brasil, o Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, “Tiririca da Serra” e todos os rincões deste país, têm sim muita cachaça e mulata maravilhosa, mas somos MAIS que isso. Será que não está na hora de combatermos o turismo que sexual?

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Que o movimento dialético da vida nade, corra, dance, mas que seja comigo!

Hoje acordei com uma sensação de que estou nadando, nadando, nadando e ainda corro o risco de morrer na praia. Ou que estou correndo, correndo, correndo e corro o risco de desmaiar pertinho da linha de chegada. Sim, a vida é dialética... Já estava acostumada com seu movimento na direção contrária dos meus planos pessoais, mas há alguns meses, estava me acostumando com o movimento em minha direção. Uma frase que tenho ouvido muito: é fácil se acostumar com coisa boa! E é verdade!!! Sentir a dialética da vida movimentando-se em minha direção, ou correndo comigo, ou, melhor ainda, nadando comigo, estava bom demais! Trazia-me tranquilidade. Retirava-me o medo do futuro. Permitia-me ter paciência. Sensações que nunca havia vivido, especialmente, com relação a um aspecto particular de minha história. Tinha a sensação real de que não morreria na praia e não desmaiaria perto da linha de chegada. Sentia-me segura, era isso... Simples e profundamente isso: sentia-me segura! Agora, a vida resolve querer dançar sozinha. Dançar por conta dela. E me chacoalhar, deixando-me perdida novamente. Meio tonta. Com a cabeça girando, a ponto de quase desmaiar. Inerte, com medo do futuro. A vida não quer mais nadar comigo, nem me incentivar na corrida. Agora tenho medo do rio não dar pé... Tenho medo de não aguentar a próxima ladeira da corrida. Queria mesmo é que o movimento da vida continuasse comigo. Queria que a vida me convidasse para dançar com ela, não fosse dançar sozinha e me chacoalhasse sem ritmo. Vida, enjoou de nadar e correr? Agora quer dançar? Quero dançar com você... Não dance sem mim... Espere que eu nade até a praia. Espere que eu corra até a linha de chegada. Aí a gente muda o verbo. A gente escolhe o tom. A gente dança o ritmo que você quiser. Não sou muito boa em danças, mas gosto de movimentar o corpo ao som da música. Eu gosto, vida! Gosto de dançar. Então me convide... Fique comigo, com seu movimento dialético. Mas mantenha seu movimento em minha direção. Ficarei no aguardo de sua decisão... Que o movimento dialético da vida nade, corra, dance! Só quero que seja comigo...

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O pássaro protegendo o ninho, a criança que não sei o nome e um pai sem proteção




Havia um pássaro protegendo o ninho ao lado da cova de uma criança que não sei o nome. No ninho um ovo, dentro do ovo, um pássaro por vir. Na cova uma criança que veio e antes mesmo de completar um ano de idade se foi. A criança passou por aqui. O pássaro cuidando um pássaro que ainda estava por vir. A criança muito menos protegida que o ninho do pássaro. Falta de proteção não era de pai e mãe. Falta de proteção do Estado, da dignidade, da saúde, das cores que deveriam colorir a vida de uma criança. Falta de proteção que o pai e a mãe também estavam submetidos. Da criança eu não sei o nome, mas de seu pai, lembro nome e sobrenome. Ao pai também faltou proteção. Ao pai também faltou as cores da infância. Ao pai veio, desde pequenino, violência. Ausência daquela proteção que faltou para filha. Falta de proteção do Estado, da dignidade, da saúde, das cores que deveriam colorir a vida de uma criança. Um pai sem proteção. Uma filha sem proteção. Ao pai, que foi afastado dos pais, restou a criação aos moldes nú e crú dos “meninos de criação”. Cresceu meio largado em uma favela de São Paulo. Cresceu meio sem carinho. Cresceu meio assustado. Cresceu meio revoltado. Infância sem cores. Inicio da adolescência colorida pela violência, pelo tráfico e pelas drogas. Colorida pela vida louca que é muito mais bicolor que colorida. O menino arrasou. Na adolescência ele ganha proteção da FEBEM. Proteção da FEBEM? Sim, proteção da FEBEM abaixo de cadeados, grades, portas de ferro batendo e um pouco mais de violência. Proteção tamanha, que o levava cotidianamente a maquinar revoltas, rebeliões. Queria a todo custo arrancar do nada o que nada teve. O adolescente, líder de revoltas, foi para uma cidade tranquila. Foi com fama de “bom menino” ganhar proteção em outra instituição, pois a FEBEM não dava mais conta dele. A proteção agora vinha da alienação religiosa. A proteção vinha da necessidade de se moldar e fingir ser quem não era. A proteção vinha como recompensa de uma conversão enfiada goela abaixo. Aprendeu a tocar bateria. Gostava de tocar bateria. Escreveu algumas poesias. Gostava de escrever poesias. Ensinou acadêmicos que nada sabiam da vida. A falta de proteção fez com que ele se tornasse um sábio arracado da violência. A falta de proteção mostrou o quanto sua luz foi sufocada. Um pouquinho pôde brilhar. Só um pouquinho. Mas estava sendo obrigado a ser o que não era. Portanto, o prazo de validade foi curto. Saiu do cantinho protegido pela metafísica e não tinha para onde voltar. Ficou naquela cidade, acreditando que se manter afastado da favela onde cresceu estaria um pouco mais protegido do mundo e de si mesmo. Porém, foi buscar proteção em uma favela daquela cidade. Lá arrumou um barraco. Lá arrumou uma companheira. Lá arrumou uma filha. Amava a filha e as irmãs da filha. Desempregado, na luta pela sobrevivência, assumiu a responsabilidade de proteger três crianças. Estavam sob sua proteção sua filha e as duas irmãs dela, enquanto a mãe das três trabalhava em alguma casa de classe média da cidade. Um dia a vida arrancou a proteção que nunca existiu. Foi ele tomar banho e a irmã de sua filha a derrubou no vão da cama. Ao ouvir os choros foi protegê-la. Chamou socorro. O resgate veio, levou a criança que estava com o braço machucado. A criança voltou. E ele, tentando protegê-la. Uma semana se passou. E, de repente viu que a criança estava ofegante, com respiração fraca. Chamou socorro. O resgate veio, levou a criança. A criança morreu. Morreu em decorrência de uma fratura craniana. Manchete de jornal: pai mata a própria filha por agressão. Quem acreditaria nele? Quem acreditaria que desta vez ele estava tentando proteger? Gritou aos quatro cantos: eu não matei minha filha. Mas ninguém ouviu. Foi preso. Tinha tatuagem. Havia passado preciosos anos de sua adolescência na FEBEM. Era negro. Era jovem. Era pobre. Era favelado. Quem vai acreditar que ele não matou a filha? Semanas depois, foi constatado: erro médico. A criança, que caiu uma única vez, além de ter machucado o braço, fraturou o crânio. Ela foi ser protegida em um hospital e não fizeram a ressonância magnética... A criança sem proteção. O pai sem proteção. O pai sem nova manchete: erramos, não foi o pai que matou a filha, foi o Estado. Sem essa manchete. Mas lá, ao lado da cova da criança que não sei o nome, havia um pássaro protegendo o ninho. O pássaro livre, fazendo ninho no cemitério, mas livre. O pai da criança colocou tudo a perder. Lá na favela, que não era a favela que cresceu, encontrou o que fazer. Envolveu-se com o crime. Envolveu-se até ganhar outra forma de proteção: a cadeia. Diferente do pássaro que protegia o ninho e era livre, o pai foi para cadeia. Não por ter matado a filha, mas por ter se matado um pouco por dia. Na cadeia seguia... Um dia, pôde sair para passar feriado na rua. Para onde ele iria? Ele não tinha nem visita. Ele que não tinha ninguém. Ele que nunca teve ninguém, somente a filha que se foi antes de um ano. Ele foi para a favela. De lá, ele foi para uma casa de classe média (aos moldes da casa que a mãe da menina trabalhava) e lá ele viu uma empregada (aos moldes da mãe da menina) e a colocou para dentro da casa com uma faca. A família estava lá. Era semana de feriado. E ele, o pai da menina que se foi, amarrou todos. O pai da menina pegou o revólver do cofre e o carro da família. O pai da menina chegou na favela dirigindo. O pai da menina foi morto. Para onde ele iria? Ele iria para uma cova rasa, como a cova rasa da sua filha. Ele iria ser enterrado sem família chorando. Sem a filhinha ao lado. Sem mãe. Sem pai. Sem mãe adotiva. Sem proteção. Sem a proteção que o pássaro dava para o ninho. Ele foi da mesma forma que a filha foi. Mas ele foi de forma assustadora. Ele foi com um suspiro de alívio da sociedade: um bandido a menos. Ele foi. Ele foi sem proteção durante os seus 24 anos de história. A filha foi. Ele foi. E o pássaro protege seu ninho. E o nome da menina, eu não sei.


poesia do pai:

Uma vida em branco

O que é bom a você
Não é bom para mim
Aquilo que é real aso seus olhos
Passa por um engano aos meus

O que é meu,
por mais que você não queira é seu.
Mas o que é seu, porque não pode ser meu?
O que traz alegria ao seu sorriso
Traz infelicidade e gotas de lágrimas,
desprezo ao meu coração e ousadia ao meu olhar.

Se o que te faz lembrar delaquando está triste,
Só me vejo no espelho quando estou feliz
Contudo continuo em dúvidas
Será que é isso?

Davi Rocha
28/01/200



PS: História real. O sobrenome ser igual ao meu, mera coincidência.