segunda-feira, 7 de junho de 2010

ditadura do "viva o momento" e convite à mulher-esqueleto

... acabo de fazer uma caminhada matinal em uma manhã bem fria. Mesmo assim, caminhar é maravilhoso, é bom para colocar as idéias no lugar, é bom para perder calorias. O final de semana (que acabou ontem) exige de mim as duas ações: colocar as idéias no lugar e queimar calorias. Sobre a necessidade de queimar calorias, isso é bem fácil falar... Comi muito carboidrato, muito... e estou com um peso na consciência, que também pode vir para balança. Antes que o peso apareça na balança, terei que caminhar e reduzir danos drasticamente... (é, acho que estou realmente me rendendo a ditadura da balança. Isso é péssimo...) Bom, tenho que gastar as calorias consumidas e pronto. Sobre a necessidade de colocar as idéias no lugar, isso sim, é um pouquinho mais complicado. Complicado porque? Complicado pois tenho medo. Medo de tirar conclusões precipitadas. Medo de acreditar em algo que não existe. Medo de não acreditar em algo que existe. Loucura? Coloquem loucura nisso. Acho que já acreditei mais nas coisas boas. Agora sou cética... Cética com relação as coisas boas, em especial, as coisas boas que acontecem comigo. Aqui posso introduzir outra ditadura (como a da balança), falo da ditadura pós-moderna: viva o momento! Isso também é uma ditadura. Viver o momento com toda intensidade é maravilhoso, especialmente, quando se trata de "coisas boas". Mas viver o momento, pelo momento, é para mim algo angustiante. Porque sou obrigada a olhar apenas para o momento presente, para o hoje, para o agora, para o minuto? Porque não é possível pensar em futuro? Tocar em assunto de futuro então, isso é proibidíssimo, algo digno de penalidade. Talvez de penalidade máxima, como o cartão vermelho (pegando a onda da copa!). Sim... Sim... Sim... não é exagero. O fantasma do "viva o momento" é eminente, mesmo quando não se toca neste assunto. E o fato de não se tocar neste assunto, é justamente decorrência da ditadura pós-moderna do "viver o momento". É... fiquei pensando nisso durante a caminhada. E, meus pensamentos foram mais loge ainda. Porque eu cedo tão facilmente a esta ditadura? Será que posso somente culpabilizar vivências, erros e decepções vividas no passado? Não. Eu também tenho medo de tocar no assunto de futuro, por ter medo do futuro. Tenho medo de cobrar. Por ter medo de ser cobrada. Tenho medo de tentar colocar algum pingo em algum i, e ter que pagar com outros pingos em i's. Agora, é certo que o medo maior é de tentar pensar em futuro, com medo de não haver futuro. E aí a ditadura do "viva o momento", se torna realidade nua e crua, pois melhor aproveitar o momento, que ter medo do futuro. Li duas frases no romance existencialista do Sartre, e algo ma chamou bastante atenção, pois ele fala que a aventura só existe por conta de sua morte. Complicado explicar, mas ele diz que uma aventura, só é aventura, se morrer. Algo que continua existindo, não pode ser chamada de aventura, pois a morte é vinculada a aventura. Só há aventura se houver morte (será que é isso mesmo que ele fala? Bom, foi o que interpretei)... Este pensamento está totalmente correto, pois quando falamos de aventura, falamos de algo que rompe com a rotina, com os protocolos, com o trivial, com o corriqueiro. E a aventura só pode ser chamada de aventura por ter início e ter fim. Fugaz. A aventura é fugaz. Quero viver aventuras. Mas chega um ponto que as aventuras não satisfazem a alma. Viver aventura é bom. Viver aventura é curtir o momento. Mas será que isso basta? É... estou feliz por ter vivido coisas boas, mas também, querendo entender se as coisas boas só se tratam de aventura. Será que tenho que me contentar com a ditadura pós-moderna do "viver o momento" e ficar muito satisfeita com isso, ou será que poderei pensar em algo além do momento? A coisa não é fácil. E tenho que entender bem qual a parte que me cabe neste latifundio... Ontem fui reler um capítulo do livro "Mulheres que Correm com os Lobos", a história da mulher-esqueleto, e lá a autora diz:

"A incapacidade de encarar a Mulher-esqueleto e de desenredá-la é o que provoca o fracasso de muitos relacionamentos de amor. Para amar é preciso não só ser forte, mas também sábio. A força vem do espírito. A sabedoria, da Mulher-esqueleto.
Como vemos na história, se quisermos ser alimentados por toda a vida, precisaremos encarar e desenvolver um relacionamento com a natureza da vida-morte-vida. Quando temos esse tipo de relacionamento, não saímos mais por aí à caça de fantasias, mas nos tornamos conhecedores das mortes necessárias e nascimentos surpreendentes que criam o verdadeiro relacionamento. Quando encaramos a Mulher-esqueleto, aprendemos que a paixão não é alguma coisa que se vai "obter" mas, sim, algo gerado em ciclos e distribuído. É a Mulher-esqueleto que demonstra que uma vida compartilhada, nos fluxos e refluxos, em todos os finais e reinícios, é o que cria um inigualável amor de devoção.
Essa história é uma imagem adequada para o problema do amor moderno, o medo da natureza da vida-morte-vida, em especial do aspecto morte. Em grande parte da cultura ocidental, o personagem original da natureza da morte foi encoberto por vários dogmas e doutrinas até o ponto em que se separou de vez da sua outra metade, a vida. Fomos ensinados, equivocadamente, a aceitar a forma mutilada de um dos aspectos mais básicos e profundos da natureza selvagem. Aprendemos que a morte é sempre acompanhada de mais morte. Isso simplesmente não é verdade. A morte está sempre no processo de incubar uma vida nova, mesmo quando nossa existência foi retalhada até os ossos." (ESTÉS, 171 - 172)

Ao ler isso, pensei: eu tenho medo da morte. Tenho medo de iniciar algo que poderá precocemente morrer... Agora, refletindo mais profundo, vejo que é justamente o medo da morte que faz com que eu me submeta à ditadura do "viva o momento"... Que confusão! Mas, a mulher-esqueleto ensina que a morte é dialética. A morte traz vida e a vida traz morte, uma movimentando a outra. Pensar em morte não quer dizer pensar no fim. Pensar em morte, quer dizer: renovação.
Quero construir coragem para enfrentar a ditadura do "viva o momento" e para dizer "seja bem vinda mulher-esqueleto"...
É isso... Mais um pouco de elucubrações públicas.

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