sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

... além da fronteira do Paraguay




Ultrapassei a fronteira do Paraguay. Eu e duas amigas construímos a viagem. Para elas, o conhecimento de mais uma parte da América Latina, a vivência das emoções da latinidade que está a flor da pele e, é claro, cada uma com uma motivação única, particular, inexplicável por terceiros. Para mim, além do que me unia as amigas, a viagem foi o início de uma pesquisa de campo. Ao iniciar a investigação sobre a exploração da força de trabalho de adolescentes como “mulas” em uma rota de tráfico internacional, descobri dados e vi que nas regiões norte e oeste do Paraná, há inúmeras apreensões de meninos e meninas. Li bastante sobre fronteira, drogas ilícitas, crime organizado e descobri que o Paraguay é o pais que fornece 60% da maconha utilizada no Brasil. Então percebi que precisava conhecer este país, afinal de contas, a rota de tráfico internacional existente no estado do Paraná decorre desta fronteira. Aprendi com meus amigos geógrafos que ir a campo é mais que entrevistar e levantar dados. Ir a campo é sentir. Sentir a realidade estudada. Um fenômeno estudado possuí elementos além da nossa percepção inicial. Fomos de carro até Foz do Iguaçu, a estrada já foi elemento de reflexão. Pensei que fosse me deparar com blitz policiais na região, porém, não encontramos nenhuma. Então ficou a pergunta: porque há tanta apreensão de adolescentes com pequenas cargas de drogas? E os carros, caminhões, caminhonetes com carregamentos de drogas? Quem controla? Perguntas... Perguntas... e mais perguntas... Deixamos o carro em Foz, na casa de uma amiga da minha amiga (!) e atravessamos a fronteira de ônibus circular, tudo muito tranqüilo. Passamos direto sem o carimbo do passaporte. Tivemos que voltar para a Aduana, carimbamos. Pegamos um ônibus pinga-pinga (ao cubo) até Assunción. Observei. Observei. Observei pela janela. Vi os paraguaios, povo trabalhador, latino, com aparência indígena. Cores. Sorrisos. Pequenos povoados. Pessoas com expressão sofrida. Chipeiras entrando e saindo dos ônibus. Muitas vezes senti-me no nordeste brasileiro, onde a pobreza é mais aparente que outros lugares. Digo mais aparente, pois como canta Ney Matogrosso, “de Porto Alegre ao Acre, a pobreza só muda o sotaque”. O Paraguay é mais pobre que o Brasil? Claro que sim... mas a pobreza tem a mesma cara. A mesma cara de sanha, como bem ilustra João Cabral de Melo Netto em "Morte e Vida Severina", somos todos severinos! Ao sentir o Paraguay, senti o peso de minha pesquisa. Como refletir sobre a exploração dos meninos no tráfico de drogas existente na fronteira Brasil - Paraguay, como compreender as plantações de maconha no Paraguay sem refletir sobre a realidade daquele país? Sem senti-lo? Ao chegarmos em Assuncion, vimos uma bela capital. Uma capital como qualquer outra, todavia, com duas particularidades: calor demasiado e pouco investimento em turismo. Sim... eu também estava fazendo turismo. Tudo que via, ouvia, observava me servia como pesquisa de campo, mas também estava a passeio, então queria visitar museus, pontos turísticos e os passeios foram meio estranhos. Museus fechados. Igreja fechada. Poucas informações e incentivos para passeio. Mesmo assim, uma das amigas que já havia passado por lá, soube indicar lugares bonitos para passearmos. Comemos chipas e empanadas! Tomamos mate gelado com ervas e especiarias guaranis. Ficamos na casa da irmã de um amigo. Sentimos o cotidiano de uma jovem mulher, profissional liberal, Paraguaya. Tomamos café, conversamos, perguntamos tudo sobre tudo! Os meus amigos, o irmão da hospedeira, sua esposa, que também é umagrande amiga e seu filho, chegaram em Assunción no dia que iniciávamos uma nova jornada: a aventura até Laguna Blanca. Um lugar que até então, fez parte do nosso imaginário como algo muito bonito, que valia a pena qualquer esforço para chegar até lá. A pousada não tinha mais vagas, então batemos pernas atrás de uma barraca. Seguimos para uma cidade chamada Santa Rosa. Cidade que está em crescimento, mas para mim, aquele lugar significava um dos “cantos do mundo”. Muito estresse. Mais observações. Rodovias que se cruzam. Uma que vem da fronteira do Mato Grosso; outra que leva até a fronteira com o Paraná; outra que chega de Assunción. Vi bancos, casas de cambio e, como não poderia ser diferente, muita pobreza. De Santa Rosa, subimos em um ônibus e viajamos por mais 23 km. Adentramos em uma região camponesa, pessoas em suas varandas tomando mate. Um pouco mais de pobreza. Depois disso, descemos na entrada de uma fazenda e fomos com mochilas, peso, cansaço (caminhando debaixo do sol do meio dia) 4 km até a Laguna Blanca. Ao chegarmos lá, não encontrei nada de extraordinário. Uma lagoa linda, com águas cristalinas, mas nada espetacular para quem vive no Brasil. O cansaço traz um certo mau humor... O cansaço esgotante, fez com que eu aproveitasse apenas no segundo dia. Curtimos a Laguna, rimos... dois dias foi o suficiente! Voltamos para Ciudad Del Este. E o retorno a Ciudad Del Este era o que mais me atraia. Voltar para fronteira. Pensar em meu objeto de estudo. Observar a Ponte da Amizade e os jovens que por lá atravessavam. Quantos deles estavam apenas comprando coisas para seu uso? Quantos deles estavam fazendo contrabando? Quantos carregando drogas em suas caixas? Por outro lado, quantos carros, caminhões, aviões saíam da fronteira Brasil - Paraguay com toneladas da entorpecentes? Ir ao Paraguay... Sentir o Paraguay... Observar o Paraguay, fez-me olhar muito mais para a América Latina... Para o Brasil... Para o Paraná... Para Foz do Iguaçu... Para Cascavel... Para Londrina... Para os meninos e meninas, brasileiros (e, é claro, paraguayos), que são explorados por um mercado movimentado e cruel. Que servem como “mula de carga” para o transito ilícito de drogas, mercadorias, armas. Que encontram neste mercado ilegal, trabalho. Sim... ultrapassei a fronteira e voltei. Este é apenas o começo.

3 comentários:

Unknown disse...

UAU!! Amei o texto e sua reflexao!!

beijins!

cacau

Eloá disse...

Te admiro por sua coragem e disposição teórica e física para tanto esforço.
Foi muito legal ler suas impressões, severas, reais que prometem uma pesquisa interessante no sentido teórico, mas a concretude da mesma terá o tom da denuncia e indignação...fique atenta, aqui será um território perigoso. Se cuida, eu como moro aqui, prefiro assistir, ler...e tocar minha pesquisa de doutorado que é sobre essa muticulturalidade - Como ensinar a língua portuguesa nesse contexto.

Mil beijos e nos vemos de uma outra vez que vc vier a Foz e que eu não estiver em Salvador no meu doutorado. bjs

Professor Faber Miquelin disse...

Olá, amiga...vendo vc contando das viagens me dá vontade de largar tudo de novo e viajar para o mundo. Sei que sua viagem tem um cunho científico, mas, como vc mesmo disse, não deixamos de ser turistas. Muito bom seu relato, nos remete...